Dependente de
servidora pública estadual falecida. Menor sob guarda da avó. Pensão por morte.
Omissão no regime próprio e a interpretação extensiva e aplicação do Estatuto
da Criança e do Adolescente.
O estudo de hoje nasceu através de um
caso concreto onde o FUNPREV (Fundo Financeiro da Previdência Social dos
Servidores Públicos do Estado da Bahia) negou pensão por morte requerida administrativamente
por uma criança ao qual vivia sob os cuidados de sua falecida avó (servidora
pública estadual). Observação pertinente é de que a avó detinha a guarda
judicial da menor - decisão transitada em julgado - estando totalmente
encarregada de prestar assistência material, moral e educacional à criança.
Trata-se da aplicação do artigo 33
do Estatuto da Criança e do Adolescente, abaixo in verbis:
Estatuto
da Criança e do Adolescente - “Art. 33. A guarda obriga a
prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou
adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros,
inclusive aos pais.”
O supracitado artigo vai mais alem
em seu parágrafo terceiro ao qual leciona que “a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente,
para todos os fins e efeitos de direito, inclusive
previdenciários” (grifos
acrescidos).
Então, dada a clareza da lei, qual
seria a justificativa para a FUNPREV negar o requerimento de pensão por morte
de uma criança dependente de servidora publica estadual ao qual detinha a sua
guarda judicial? A resposta está em uma omissão legislativa do regime
previdenciário dos servidores públicos do Estado da Bahia.
A Lei Estadual
11.357/2009, em seu artigo 12 onde elenca os dependentes dos servidores simplesmente
ignorou o menor sob guarda o que constitui por si só uma omissão que deve ser
corrigida por lei posterior, mas que, enquanto não se muda, é plenamente
justificável a aplicação do artigo33, §3º do ECA. O judiciário precisa estar
atento, principalmente por todo o caráter protetivo instituído pelo ECA com a
finalidade primordial de garantir a dignidade e o desenvolvimento sadio da criança.
Trata-se
da efetivação do princípio da proteção a criança e o adolescente elencado em
nossa Lex Máxima em seu artigo 227 ao
qual garante que:
Constituição
Federal – Art. 227.
“É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade,
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
No caso em tela não está se afirmando existir
uma guarda de fato o que causaria maior complexidade para apreciação
administrativa, mas, ao contrário, havia decisão judicial escancarando a dependência
econômica de sua avó, que, agora falecida, lhe deixou grande vazio, emocional,
como também econômico.
Com
o escopo de evitar qualquer injustiça, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
tem decidido contrário ao parecer da FUNPREV que tem posicionamento de garantir
o melhor interesse da criança e do adolescente. Dada a importância do tema,
abaixo é citado dois julgados do TJ-BA.
TJ-BA
- Agravo de Instrumento: AI 00093850620138050000 BA 0009385-06.2013.8.05.0000; Órgão
Julgador Primeira Câmara Cível; julgamento 16 de Dezembro de 2013:
Ementa. DIREITO PREVIDENCIÁRIO E
PROCESSUAL CIIVL. AÇÃO ORDINÁRIA. PENSÃO POR MORTE. ROL DE DEPENDENTES. NETO DE
SEGURADO SOB A GUARDA JUDICIAL DESTE. DEFERIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA. AGRAVO
DE INSTRUMENTO DO RÉU. 1. Ante a previsão do art. 33, § 3º,
do ECA e o princípio
da proteção integral, observa-se que o menor sob a guarda judicial goza da
condição de dependente, inclusive para o percebimento do benefício de pensão
por morte previsto na Lei Estadual nº 11.357/2009; 2. A
adoção de tal entendimento não significa a ampliação do rol de dependentes,
previsto na Lei Estadual nº 11.357/2009,
por uma mera interpretação extensiva, mas sim pela aplicação direta de normas
previstas no subistema que regula a proteção do menor, que
garante expressamente a condição de dependente daquele que se encontra sob
guarda judicial; 3. Não se olvida do entendimento adotado em
alguns julgados do STJ pela inaplicabilidade do art. 33, § 3º,
do ECA para
situações análogas à espécie, contudo o posicionamento destes arestos, com a
devida venia, não seria o mais condizente com o normativo constitucional que
regula a proteção da criança e do adolescente, bem assim com o princípio da
dignidade da pessoa humana. Precedentes; 4. O agravado permaneceu sob a guarda
judicial do avô, policial militar inativo, até a data do falecimento deste,
recebendo assistência alimentar, educacional e moral, fazendo jus à pensão por
morte prevista na Lei Estadual nº 11.357/2009. De mais a mais, ante o caráter
alimentar do benefício, evidente a presença do perigo da demora, justificando a
concessão da medida antecipatória. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
Decidindo
em caso semelhante ao presente, o TJ BA, através da Quinta Câmara Cível, na Apelação n.º
0319208-59.2012.8.05.0001, lecionou que:
“EMENTA.
Apelação Cível. Dependentes de servidora pública estadual falecida. Menores sob
guarda da avó. Pensão por morte. A Lei Estadual nº 7249/98, art. 9º, não elenca
entre beneficiários da pensão por morte o menor sob guarda, mas estende o benefício ao tutelado
e ao enteado que comprovem a dependência econômica e a ausência de recursos
para o seu sustento. No entanto, o dispositivo deve ser analisado de forma mais
ampla e à luz do princípio da isonomia, relativizando-o, bem como do princípio
constitucional de proteção da criança e do adolescente, estabelecido no
art. 227,
da Constituição Federal
e também do ECA.
Da análise dos autos resta demonstrada a dependência econômica dos apelantes da
falecida avó, que era provedora de seus sustentos. Desta forma, o fato de
estarem os menores sob a guarda da avó e não sob tutela, não pode afastar o
direito à percepção do benefício previdenciário, quando demonstrada a
dependência financeira. Ressalte-se
que é aplicável ao caso concreto o Estatuto da Criança e do Adolescente,
que garante em seu art. 33, § 3º,
ao menor sob guarda, a condição de dependente, inclusive para fins
previdenciários. Assim, deve ser assegurado o direito de recebimento da pensão
por morte aos apelantes, até os 24 anos, nos termos do art. 9º, § 5º da
Lei nº 7249/98. Quanto as
parcelas pretéritas, devem incidir juros moratórios de 6% (seis por cento) ao
ano, de acordo com a anterior redação do artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 e correção
monetária pelo INPC de abril de 2006 a 29 de junho de 2009, pela TR de 30 de junho
de 2009 até 24 de março de 2015 e pelo IPCA-E a partir de 25 de março de 2015.
Ainda, deve ser reconhecido o direito a inclusão no PLANSERV, como agregados,
nos termos do Decreto nº 3552/05. Inverte-se o
ônus da sucumbência, condenando o Estado da Bahia ao pagamento de honorários
advocatícios de 20% sobre o valor da causa. Sentença Reformada. Apelo Provido.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA; TRIBUNAL DE JUSTIÇA; Quinta Câmara Cível;
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -Salvador/BA.” (grifos acrescidos).
Sendo
assim, não resta dúvida que o posicionamento mais justo deverá ser o
reconhecimento do menor dependente econômico do servidor falecido à condição de
segurado do regime próprio de previdência dos servidores do Estado da Bahia. Trata-se
de efetivação de justiça aplicado os princípios constitucionais, em especial, o
da proteção a criança e o adolescente lhe garantido uma vida digna.
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