quarta-feira, 5 de julho de 2017

Dependente de servidora pública estadual falecida. Menor sob guarda da avó. Pensão por morte. Omissão no regime próprio e a interpretação extensiva e aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente.




Dependente de servidora pública estadual falecida. Menor sob guarda da avó. Pensão por morte. Omissão no regime próprio e a interpretação extensiva e aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O estudo de hoje nasceu através de um caso concreto onde o FUNPREV (Fundo Financeiro da Previdência Social dos Servidores Públicos do Estado da Bahia) negou pensão por morte requerida administrativamente por uma criança ao qual vivia sob os cuidados de sua falecida avó (servidora pública estadual). Observação pertinente é de que a avó detinha a guarda judicial da menor - decisão transitada em julgado - estando totalmente encarregada de prestar assistência material, moral e educacional à criança. 

Trata-se da aplicação do artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, abaixo in verbis:

Estatuto da Criança e do Adolescente - “Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.”

O supracitado artigo vai mais alem em seu parágrafo terceiro ao qual leciona que “a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários (grifos acrescidos).  

Então, dada a clareza da lei, qual seria a justificativa para a FUNPREV negar o requerimento de pensão por morte de uma criança dependente de servidora publica estadual ao qual detinha a sua guarda judicial? A resposta está em uma omissão legislativa do regime previdenciário dos servidores públicos do Estado da Bahia.

A Lei Estadual 11.357/2009, em seu artigo 12 onde elenca os dependentes dos servidores simplesmente ignorou o menor sob guarda o que constitui por si só uma omissão que deve ser corrigida por lei posterior, mas que, enquanto não se muda, é plenamente justificável a aplicação do artigo33, §3º do ECA. O judiciário precisa estar atento, principalmente por todo o caráter protetivo instituído pelo ECA com a finalidade primordial de garantir a dignidade e o desenvolvimento sadio  da criança. 

Trata-se da efetivação do princípio da proteção a criança e o adolescente elencado em nossa Lex Máxima em seu artigo 227 ao qual garante que:

Constituição Federal – Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

 No caso em tela não está se afirmando existir uma guarda de fato o que causaria maior complexidade para apreciação administrativa, mas, ao contrário, havia decisão judicial escancarando a dependência econômica de sua avó, que, agora falecida, lhe deixou grande vazio, emocional, como também econômico.

Com o escopo de evitar qualquer injustiça, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia tem decidido contrário ao parecer da FUNPREV que tem posicionamento de garantir o melhor interesse da criança e do adolescente. Dada a importância do tema, abaixo é citado dois julgados do TJ-BA.

TJ-BA - Agravo de Instrumento: AI 00093850620138050000 BA 0009385-06.2013.8.05.0000; Órgão Julgador Primeira Câmara Cível; julgamento 16 de Dezembro de 2013: 

Ementa. DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIIVL. AÇÃO ORDINÁRIA. PENSÃO POR MORTE. ROL DE DEPENDENTES. NETO DE SEGURADO SOB A GUARDA JUDICIAL DESTE. DEFERIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RÉU. 1. Ante a previsão do art. 33§ 3º, do ECA e o princípio da proteção integral, observa-se que o menor sob a guarda judicial goza da condição de dependente, inclusive para o percebimento do benefício de pensão por morte previsto na Lei Estadual nº 11.357/2009; 2. A adoção de tal entendimento não significa a ampliação do rol de dependentes, previsto na Lei Estadual nº 11.357/2009, por uma mera interpretação extensiva, mas sim pela aplicação direta de normas previstas no subistema que regula a proteção do menor, que garante expressamente a condição de dependente daquele que se encontra sob guarda judicial; 3. Não se olvida do entendimento adotado em alguns julgados do STJ pela inaplicabilidade do art. 33§ 3º, do ECA para situações análogas à espécie, contudo o posicionamento destes arestos, com a devida venia, não seria o mais condizente com o normativo constitucional que regula a proteção da criança e do adolescente, bem assim com o princípio da dignidade da pessoa humana. Precedentes; 4. O agravado permaneceu sob a guarda judicial do avô, policial militar inativo, até a data do falecimento deste, recebendo assistência alimentar, educacional e moral, fazendo jus à pensão por morte prevista na Lei Estadual nº 11.357/2009. De mais a mais, ante o caráter alimentar do benefício, evidente a presença do perigo da demora, justificando a concessão da medida antecipatória. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 

Decidindo em caso semelhante ao presente, o TJ BA, através da Quinta Câmara Cível, na Apelação n.º 0319208-59.2012.8.05.0001, lecionou que:

“EMENTA. Apelação Cível. Dependentes de servidora pública estadual falecida. Menores sob guarda da avó. Pensão por morte. A Lei Estadual nº 7249/98, art. 9º, não elenca entre beneficiários da pensão por morte o menor sob guarda, mas estende o benefício ao tutelado e ao enteado que comprovem a dependência econômica e a ausência de recursos para o seu sustento. No entanto, o dispositivo deve ser analisado de forma mais ampla e à luz do princípio da isonomia, relativizando-o, bem como do princípio constitucional de proteção da criança e do adolescente, estabelecido no art. 227, da Constituição Federal e também do ECA. Da análise dos autos resta demonstrada a dependência econômica dos apelantes da falecida avó, que era provedora de seus sustentos. Desta forma, o fato de estarem os menores sob a guarda da avó e não sob tutela, não pode afastar o direito à percepção do benefício previdenciário, quando demonstrada a dependência financeira. Ressalte-se que é aplicável ao caso concreto o Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante em seu art. 33§ 3º, ao menor sob guarda, a condição de dependente, inclusive para fins previdenciários. Assim, deve ser assegurado o direito de recebimento da pensão por morte aos apelantes, até os 24 anos, nos termos do art. § 5º da Lei nº 7249/98. Quanto as parcelas pretéritas, devem incidir juros moratórios de 6% (seis por cento) ao ano, de acordo com a anterior redação do artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 e correção monetária pelo INPC de abril de 2006 a 29 de junho de 2009, pela TR de 30 de junho de 2009 até 24 de março de 2015 e pelo IPCA-E a partir de 25 de março de 2015. Ainda, deve ser reconhecido o direito a inclusão no PLANSERV, como agregados, nos termos do Decreto nº 3552/05. Inverte-se o ônus da sucumbência, condenando o Estado da Bahia ao pagamento de honorários advocatícios de 20% sobre o valor da causa. Sentença Reformada. Apelo Provido. PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA; TRIBUNAL DE JUSTIÇA; Quinta Câmara Cível; 5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -Salvador/BA.” (grifos acrescidos).

Sendo assim, não resta dúvida que o posicionamento mais justo deverá ser o reconhecimento do menor dependente econômico do servidor falecido à condição de segurado do regime próprio de previdência dos servidores do Estado da Bahia. Trata-se de efetivação de justiça aplicado os princípios constitucionais, em especial, o da proteção a criança e o adolescente lhe garantido uma vida digna.  

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